Afinal, qual a diferença entre ciência e filosofia?
Ouça o audiotexto clicando no vídeo abaixo. Você pode acompanhar o áudio fazendo a leitura logo a seguir.
Transcrição do vídeo:
A ciência parece estar sempre avançando, enquanto a filosofia parece estar sempre perdendo terreno. No entanto, isso só se deve ao fato de a filosofia aceitar a árdua e perigosa tarefa de lidar com problemas ainda não abertos aos métodos da ciência — problemas como o do bem e do mal, da beleza e da feiura, da ordem e da liberdade, da vida e da morte; tão logo um campo de investigação gera conhecimento suscetível de uma formulação exata, é chamado de ciência.
Toda ciência começa como filosofia e acaba como arte; surge na hipótese e flui para a realização. Filosofia é uma interpretação hipotética do desconhecido (como na metafísica) ou do desconhecido de forma inexata (como na ética ou na filosofia política); é a trincheira adiantada no cerco à verdade. Ciência é o território capturado; e por detrás dele ficam as regiões seguras nas quais o conhecimento e a arte constroem o nosso mundo imperfeito e maravilhoso.
A filosofia parece estar parada, perplexa; mas isto é só porque ela deixa os frutos da vitória para suas filhas, as ciências, enquanto ela própria segue adiante, divinamente descontente, em direção ao incerto e ao inexplorado.
Devemos empregar linguagem mais técnica? Ciência é descrição analítica; filosofia é interpretação sintética. A ciência quer decompor o todo em partes, o organismo em órgãos, o obscuro em conhecido. Ela não procura conhecer os valores e as possibilidades ideais das coisas, nem o seu significado total e final; contenta-se em mostrar a sua realidade e a sua operação atuais, reduz resolutamente o seu foco, concentrando-o na natureza e no processo das coisas tais como são.
O cientista é tão imparcial quanto a natureza do poema de Turgenev: está tão interessado na perna de uma pulga quanto nos paroxismos criativos de um gênio. Mas o filósofo não se contenta em descrever o fato; quer averiguar a relação do fato com a experiência em geral e, com isso, chegar ao seu significado e ao seu valor; ele combina coisas numa síntese interpretativa; tenta montar, de maneira melhor do que antes, esse grande relógio que é o universo e que o cientista perquiridor desmontou analiticamente.
A ciência nos ensina a curar e a matar; reduz a taxa de mortalidade no varejo e depois nos mata por atacado na guerra; mas só a sabedoria — o desejo coordenado à luz de toda a experiência — pode nos dizer quando curar e quando matar.
Observar processos e construir meios é ciência; criticar e coordenar fins é filosofia; e porque hoje os nossos meios e instrumentos se multiplicaram além da nossa interpretação e da nossa síntese de ideais e fins, nossa vida está cheia de som e fúria, não significando coisa alguma. Porque um fato nada é exceto em relação ao desejo; não é completo, exceto em relação a um propósito e a um todo.
Ciência sem filosofia, fatos sem perspectiva e avaliação não podem nos salvar da devastação e do desespero. A ciência nos dá o conhecimento, mas só a filosofia pode nos dar a sabedoria.
______________________________________
Trecho do livro A HISTÓRIA DA FILOSOFIA, de Will Durant, da coleção Os Pensadores | editora Nova Cultural.
Compre o livro: https://amzn.to/2ENtMUq