A Filosofia do Coringa (2019) | Cinema & Filosofia

Alysson Augusto
7 min readJan 26, 2020

CORINGA: Filósofo comenta o que achou do filme

Assista ao vídeo do link acima e/ou leia o texto abaixo.

Algumas pessoas me pediram pra dizer o que eu acho do filme Coringa, que tem dado ao seu protagonista, Joaquim Phoenix, vários troféus e que provavelmente dará a ele o Oscar de melhor ator.

Eu não vou comentar aqui o ativismo vegano desse ator, ainda que isso seja interessante já que minha área de pesquisa no mestrado é Ética Animal. Eu quero apenas trazer aqui algumas considerações sobre o filme, tentando esclarecer a forma como ele, pessoalmente, me impactou.

Ah, e já adianto que teremos spoilers neste vídeo.

Pois então…

Eu vi o filme bem depois de todo o hype, e por isso mesmo eu acredito que tive a experiência prejudicada pelo excesso de expectativas em torno da obra que as pessoas me fizeram ter, e isso é um problema porque quando você é treinado a ver o filme de certa forma antes mesmo de assisti-lo, talvez a experiência não fique tão boa quanto poderia se tudo fosse original, incluindo sua própria expectativa.

E eu pontuo isso porque tanta gente falou tão bem que minha expectativa ficou alta demais, e então, quando eu finalmente assisti ao novo filme do Coringa, eu não fiquei realmente surpreendido. A bem da verdade, gostei mais de ver o filme Dois Papas do que o do Coringa — E isso provavelmente se deve pelo fato de que Dois Papas tem uma riqueza de diálogos que cativa facilmente qualquer estudante de filosofia.

Mas bem, independente do que eu tenha achado, o fato é que, com toda certeza, Coringa é um filme bastante inédito especialmente em comparação aos filmes passados do Universo DC em que o personagem Coringa aparecia.

Isso porque, nesse novo filme, o Coringa foi retratado não como um mafioso líder de quadrilhas sedento por sangue de heróis e inocentes, assaltando bancos só pela diversão e porque é capaz de fazer isso…

Esse Coringa é totalmente original, pois ele é um verdadeiro “loser”, alguém psicologicamente problemático que não teve boas oportunidades em vida e que foi, a vida toda, socialmente rejeitado ou tomado como um estranho à convivência comum, de modo que sua única função social era ser um palhaço.

Ou seja, alguém tão anormal quanto ele só poderia ser normal aos olhos das pessoas ao redor se fosse visto como um palhaço, alguém fantasiado cuja única utilidade é entreter os outros, tal como um animal de Circo. E se palhaços costumam trabalhar em Circos, bem… A gente sabe que não é à toa.

O nome do personagem, todos sabemos, é Arthur Fleck, um jovem com distúrbios neurológicos que o fazem rir descontroladamente, que mora com sua mãe problemática e que quer deixar seu trabalho como palhaço para se tornar um comediante de stand-up.

Até aqui ele é relativamente normal, afinal tem uma vida pacata e suficientemente desinteressante como a maioria das pessoas, e como todos nós ele quer ser feliz. Só que dado seus problemas psicológicos ele é suficientemente estranho pra ser vítima de bullying e ser lido como um fracassado que só merece descrédito. E isso abala ele profundamente, afinal fica claro durante o filme que o que ele quer é ser amado, ser respeitado e estar ao redor de pessoas educadas e gentis. Ele não encontra pessoas assim por aí, e sua insatisfação com a vida apenas aumenta, especialmente quando ele tenta fazer coisas que ele gosta e faz tudo errado, causando ou repúdio ou escárnio dos outros.

Arthur Fleck sempre acreditou que a vida dele era uma tragédia, até que de repente, portando uma arma que um colega de serviço deu pra ele se defender, ele acaba assassinando alguns funcionários das Companhias Wayne. E então ele começa a se dar conta de que sua vida talvez não seja uma tragédia, mas uma comédia. É aqui que ele decide começar a responder às agressões gratuitas que rotineiramente sofre.

Uma parte inédita no filme é quando ele acredita ser irmão do Bruno Wayne, que é bem mais novo que ele e que com o tempo vai se tornar o Batman. Ou seja, Coringa está em pleno desenvolvimento antes mesmo de Gotham City acabar com as vidas dos pais do Batman. Mais uma vez Arthur Fleck quebra a cara e toma a medida mais ousada até então, que é matar sua própria mãe.

Bom, até onde entendi as coisas, é justamente aqui que o personagem decide se tornar, oficialmente, no Coringa, um nome que seu apresentador de programa preferido deu a ele ao zoá-lo como sendo um fracassado no standup.

Enfim, tem muitos detalhes pela frente nessa história, mas eu quero falar agora direto de minhas impressões.

A gente vê que o Coringa não é exatamente um agente responsável pelos problemas sociais da sua cidade, e que na verdade ele é apenas um sintoma desses problemas. De alguma forma, Coringa foi escolhido pelo acaso pra ser um símbolo de uma suposta revolução social.

Aliás, o sucesso que o Coringa teve com o público revolucionário ao longo da história nem é exatamente original. Aquilo ali foi uma espécie de V de Vingança versão Coringa, só que ao invés de ser Londres tomada pela corrupção, era Gotham City. O Coringa foi apenas uma peça que ajudou a desencadear uma metástase social que uma hora ou outra iria se espalhar.

E aqui a gente pode se perguntar se o Coringa, tal como o V, tinha uma filosofia de vida, um norte que lhe dava algum propósito.

E pra responder a isso a gente precisa ter em mente que existe uma diferença importante entre o Coringa e o V… Isso porque o personagem V do filme V de Vingança tinha um plano, ele estava obviamente premeditando os próprios passos. O Coringa, porém, tinha apenas impulsos, e a única coisa que premeditou foi o próprio suicídio, coisa que nem isso ele conseguiu realizar, acabando por matar não a si mesmo mas ao apresentador do programa por um ímpeto de raiva explosiva.

Ou seja, diferente dos filmes anteriores, Coringa não é retratado, nesse filme, como um gênio do crime — o que é o caso de todos os outros filmes do Batman. Aqui, Coringa é apenas um fracassado que deu a sorte de estar no lugar certo na hora certa fazendo as coisas certas sem qualquer noção do que seria o certo a fazer pra consolidar sua imagem.

E mesmo no filme Batman: O Cavaleiro das Trevas, em que o Coringa teve uma atuação espetacular com Heath Ledger, ele deixa claro que não tem qualquer filosofia de vida, pois apenas faz as coisas, sem qualquer propósito.

Quando a gente joga qualquer jogo de Cartas, em geral a carta Coringa é uma carta de Sorte. Eu falo isso porque talvez isso explique o simbolismo do Coringa, já que alguém tão aleatório, que apenas só faz as coisas, conseguiu se tornar um sucesso e ser reconhecido como alguém relevante após aceitar que é apenas mais uma carta num baralho.

Ou seja, Coringa é um inapto, um impulsivo, um descontrolado que cede à loucura de suas próprias paixões. E isso parece ser muito mais autêntico do que seria se Coringa fosse um gênio maquiavélico que calcula cada passo e os executa com excelência, como por exemplo é o caso de outro vilão da DC, inimigo do Superman, que é o Lex Luthor.

Enfim, essas são algumas de minhas impressões num nível estritamente cinematográfico.

Agora, o filme Coringa também ganhou um certo hype em função de opinião política.

Isso porque teve gente falando que o Coringa era uma espécie de InCel alt-right que servia à agenda direitista americana. Mas isso não parece ser exatamente o caso. Na história a gente percebe que ele apenas era um cara estranhou que cedeu à loucura, ainda que a gente possa categorizar ele como InCel — afinal ele bem que tentou, mas não conseguiu se relacionar com nenhuma mulher e apenas ficou fetichizando uma relação com sua vizinha.

E se for pra falar de política mesmo, a gente precisa pegar o contexto da crise social de Gotham City no filme e comparar com o discurso que o Coringa faz. Thomas Wayne, o pai do Batman, buscava se eleger como prefeito de Gotham City, prometendo que colocaria ordem no caos. Mas a impressão das pessoas era que qualquer coisa que alguém rico como Wayne fizesse não acabaria melhorando a situação social e econômica dos mais vulneráveis. A própria relação entre Wayne e Penny, a mãe do Coringa, era impossível não apenas pela loucura de Penny, mas pelo fato de que ela era de uma classe social inferior, e não ficaria bom pras aparências que Wayne se relacionasse com ela.

E se entendi bem o filme, Coringa faz um discurso que não podemos chamar de direitista, longe disso. É perfeitamente possível imaginar um socialista revolucionário fazendo o que ele fez, mas qualquer tentativa de enquadrar Coringa num rótulo pode facilmente deturpar sua essência, afinal Coringa só é quem é porque não tem propósito, ele apenas faz as coisas.

Enfim pessoal… Essas são minhas considerações sobre o filme Coringa, dirigido por Todd Phillips, e que já venceu alguns prêmios importantes do cinema internacional.

O filme é realmente muito bom, é totalmente original em comparação aos filmes anteriores, mas pode não ser muito surpreendente pra quem já assistiu V de Vingança ou tem outras referências de filmes em que os personagens subsistem em meio a conflitos sociais.

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Eu vou ficando por aqui, meu nome é Alysson Augusto e nos falamos nos comentários. Um forte abraço!

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Alysson Augusto

Mestrando em Filosofia (PUCRS). Produzo vídeos de divulgação filosófica no Youtube. Inscreva-se: http://youtube.com/alyssonaugusto